TEMAS. Separamos seis blocos temáticos que estarão atravessando os conteúdos dessa página.
Capitalismo maquínico
O termo vem da filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Que o capitalismo seja maquínico para esses autores não quer dizer que ele seja tecnológico, quer dizer que essa produção se basa numa mais-valia nova: a mais-valia maquínica (mas não exclui outras, como a velha mais-valia humana) . Nessa nova configuração do capitalismo, não somente o trabalhador produz mas a dona-de-casa, a criança, o aposentado. Todo mundo produz jogando video-game, vendo televisão, assistindo o jogo de futebol. Uma vez conectados, estamos produzindo. Produzindo o quê? Fluxos de informação. Além de ter que controlar a fábrica, os sujeitos, os salários agora os poderes capitalistas tem que controlar os fluxos de informação e de dinheiro virtual.
Mas isso não nos leva a uma concepção maligna da técnica, não se trata de temer que a sociedade ou a humanidade seja submetida às máquinas. Essa teoria do capitalismo maquínico nos alerta para novas relações com as máquinas, novos tipos de máquinas que afetam diretamente a forma-humana que somos. Partindo do pressuposto de que o sujeto não é um dato natural mas uma construção, um agenciamento maquínico, não devemos pensar que estamos mutando junto com as máquinas? E outras perguntas se encarrilham: podemos ser outra coisa? Além de consumidores, “usuários” da rede, devedores, espectadores? Podemos ser otra coisa que não indivíduo liberal ou massa homogeneizada? Podemos ser “fora” do capitalismo?
Autores destacados que nos interessam dentro dessa temática, além de Deleuze e Guattari: Michel Foucault, Toni Negri, Maurizio Lazzarato, Franco Berardi (Bifo), Peter Pál Pelbart, David Graeber, David Harvey, Paul Virilio, Isabelle Stengers, Donna Haraway, Gerald Raunig, Tiqqun, Christian Marazzi, entre otros.
“O poder capitalístico se moveu, se ‘desterritorializou’, tanto em extensão, expandindo sua influência sobre o conjunto da vida econômica, social e cultural do planeta, como em intensidade, infiltrando-se no seio dos estratos subjetivos mais fundamentais, mais ‘existenciais’ dos indivíduos humanos.”
Félix Guattari
cita extraída de ¿Qué es la ecosofía? Textos agenciados por Stephane Nadaud (Cactus, Argentina)
A Lógica do Vivo
O filósofo e biólogo estoniano Jakob von Uexküll cunhou o conceito de Umwelt para descrever como o sujeitos-animais, Tieresubket, criam seus mundos-próprios, gerando uma complexa rede de relações, e influenciou uma série de pensadores de tipos bem heterogêneos. Aquele conceito foi fundamental, por exemplo, tanto para o desenvolvimento do pensamento do que designamos hoje como ecológico, como, ao mesmo tempo, para a cibernética. É desta intersecção, portanto, que nós devemos partir para recriar novas formas de viver, uma vez que o mundo-próprio humano, isto é, nossa atual condição, mostra-se deteriorada.
Referências: Jakob von Uexküll, Henri Bergson, Norbert Wiener, Gilbert Simondon, Frijot Capra, Jaques Monod, Étienne Geoffroy Saint-Hilaire, Gregory Bateson, Eduardo Viveiros de Castro, Gilles Deleuze & Felix Guattari, Ailton Krenak, Davi Kopenawa, Vinciane Despret, entre outros.
“Cada sujeito tece relações, como fios de uma aranha, sobre determinadas propriedades das coisas, entrelaçando-as até configurar uma sólida rede que será portadora de sua existência, sua Umwelt.”
Jacob Von Uëxkull
cita extraída de Andanzas por los mundos circundantes de los animales y los hombres (Cactus, Argentina)
Mundos e povos
Ao ser entrevistado por Toni Negri, Gilles Deleuze diz que uma das coisas necessárias para lutar contra o capitalismo é uma crença no mundo. Precisamos acreditar no mundo, voltar a acreditar que é possível um outro mundo. Mudar de mundo. Este mundo capitalista é, ao contrário do “melhor dos mundos possíveis”, impossível.
E criar um novo mundo implica criar um novo povo. Longe de ser um povo elegido, uma raça entre outras, se trata de um povo que não tem nada em comum, um povo que sempre está por construir-se, um povo que não é gente, um povo de novas intensidades, sensações, visões, audições, um povo que pode nos habitar e fazer de nós, humanos, algo além do homem. Como bem sabe muitos povos indígenas, habitar a Terra implica uma outra relação com ela que não passa pela dominação, sujeição, capitalização, expropriação.
Algumas das referências teóricas que sugerimos para pensar esses “outros mundos e outros povos” são: David Kopenawa, Sonia Guajajara, Ailton Krenak, Eduardo Viveiros de Castro, Étienne Souriau, Gabriel Tarde, Pierre Clastres, Gilles Deleuze e Félix Guattari, David Lapoujade, Bruce Albert, entre outros.
“Somos mesmo uma humanidade? (…) Quando a gente quis criar uma reserva da biosfera em uma região do Brasil, foi preciso justificar para a Unesco por que era importante que o planeta não fosse devorado pela mineração. Para essa instituição, é como se bastasse manter apenas alguns lugares como amostra grátis da Terra. (…)
Por que insistimos tanto e durante tanto tempo em participar desse clube [da humanidade], que na maioria das vezes só limita a nossa capacidade de invenção, criação, existência e liberdade? Será que não estamos sempre atualizando aquela nossa velha disposição para a servidão voluntária? (…)
Como justificar que somos uma humanidade se mais de 70% estão totalmente alienados do mínimo exercício de ser? A modernização jogou essa gente do campo e da floresta para viver em favelas e em periferias, para virar mão de obra em centros urbanos. Essas pessoas foram arrancadas de seus coletivos, de seus lugares de origem, e jogadas nesse liquidificador chamado humanidade. Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que compartilhamos.”
Ailton Krenak
cita extraída de Ideias para adiar o fim do mundo (Cia das Letras)
(imagem: Eadweard Muybridge)
Clínica dos corpos
O que pode um corpo? Perguntava o filósofo holandês Baruch Espinosa no século XVII. Em plena época da contra-reforma católica, Espinosa provocava aos religiosos dizendo que nunca saberemos o que pode uma alma se nao sabemos o que pode um corpo. A partir de esta concepção de corpo como potência, temos várias consequências: o corpo já não é uma extensão, já não é uma substância, já não é uma matéria a qual deve intervir uma forma ou alma para animá-la.
O corpo é potência, grau de potência. O corpo é definido pela capacidade de receber afectos do mundo e de afetar o mundo. Meu corpo é aquilo que pode fazer, sentir, perceber. Uma clínica do corpo é sempre uma ética do cuidado das relações entre os mais diferentes corpos. Que relações aumentam minha potencia de ser no mundo? Com o que componho? Com o que descomponho? Uma clínica do corpo que também localiza, nessa arte das composições, as relações que o corpo estabelece com os mais diferentes dispositivos de poderes.
Algumas das referências teóricas que gostaríamos de compartilhar aqui são as seguintes: Baruch Espinoza, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Michel Foucault, Silvia Frederic, Antoine Artaud, Samuel Beckett, Judith Butler, Kuniichi Uno, Paul Preciado, Christine Greiner, Suely Rolnik, Peter Pál Pelbart, Luiz Orlandi, entre outros.
“Ao Corpo sem Órgãos não se chega, não se pode chegar, nunca se acaba de chegar a ele, é um limite. Diz-se: que é isto — o CsO — mas já se está sobre ele — arrastando-se como um verme, tateando como um cego ou correndo como um louco, viajante do deserto e nômade da estepe. É sobre ele que dormimos, velamos, que lutamos, lutamos e somos vencidos, que procuramos nosso lugar, que descobrimos nossas felicidades inauditas e nossas quedas fabulosas, que penetramos e somos penetrados, que amamos. No dia 28 de novembro de 1947, Artaud declara guerra aos órgãos: Para acabar com o juízo de Deus, “porque atem-me se quiserem, mas nada há de mais inútil do que um órgão”. É uma experimentação não somente radiofônica, mas biológica, política, atraindo sobre si censura e repressão. Corpus e Socius, política e experimentação. Não deixarão você experimentar em seu canto.”
Gilles Deleuze e Félix Guattari
cita extraída de Mil platôs, capitalismo e esquizofrenia vol. 3 (editora 34)
Arte e criação
A criação não tem a ver com a criatividade. A segunda é aquela que solicitam os novos trabalhos: seja criativo, invente novas idéias, novos produtos. Uma inovação que é necessária para o mercado. A primeira é algo completamente diferente: um ato de criação cria um novo mundo. Criar é criar uma nova existência, por isso, uma estética que se volta para a vida: a obra de arte é aquela que cria uma nova existência. Age justamente contra a criatividade, pois é contra essa existência voltada para a economia de mercados.
Referências: Gilles Deleuze, Félix Guattari, Michel Foucault, Anne Sauvagnergues, Suely Rolnik, Manuel De Landa, Walter Benjamin, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Jorge Juanes López, Franco Berardi, Andreas Huyssen, entre outros.
“Seja qual for o canal de expressão, pensamos/criamos porque algo de nossas vidas nos força a fazê-lo para dar conta daquilo que está pedindo passagem em nosso dia a dia – nada a ver com a noção de “tendência”, própria da lógica midiática e seu princípio mercadológico. Se entendermos desta perspectiva para que serve pensar, a insistência neste tipo de temática nos indica que a política de subjetivação, de relação com o outro e de criação cultural está em crise e que, com certeza, vem se operando uma mutação nestes campos. A especificidade da arte enquanto modo de expressão e, portanto, de produção de linguagem e de pensamento é a invenção de possíveis – estes ganham corpo e se apresentam ao vivo na obra. Daí o poder de contágio e de transformação de que é portadora a ação artística. É o mundo que está em obra por meio desta ação. Não há então porque estranhar que a arte se indague sobre o presente e participe das mudanças que se operam na atualidade.”
Suely Rolnik
cita extraída do artigo Geopolítica da cafetinagem
Cibermundo
Não só convivemos, como dependemos quase todo o tempo de máquinas tecnológicas do tipo cibernética. Usamos celulares, computadores, e diferentes aparelhos que nos fazem estar quase todo o dia conectados. As relações sociais, econômicas, afetivas, passam por essas novas máquinas que parecem substituir as antigas máquinas energéticas. Com essas novas máquinas, novas armas, novos perigos, novas capturas, novas resistências.
Referências: Aaron Swartz, Gilles Deleuze e Félix Guattari, Franco Berardi, Maurizio Lazzarato, Pierre Levy, François Lyotard, Paul Virilio, Donna Haraway, Gerald Raunig, entre outros.
“O acidente que abalou Wall Street em maio de 2010 (a queda repentina em 10% nos preços, que em apenas poucos segundos fez desaparecer como fumaça bilhões de dólares – em 14 segundos ações mudaram de mãos 27 mil vezes) teve origem nas máquinas de comunicação de dados e nos computadores. A transformação dos operadores de protagonistas para espectadores se deve à revolução tecnológica e estrutural do mercado de ações norte-americano. A invenção de computadores cada vez mais poderosos mudou a maneira pela qual os investidores interagem no mercado. Hoje mais de 90% das ordens dadas na Bolsa de Valores de Nova York são automatizadas. A maior parte das transações de Wall Street sao feitas automaticamente sem intervenção humana, pois a velocidade na qual as pessoas podem calcular e agir é demasiado lenta em relação à massa de informação e a velocidade em que ela circula”
Maurizio Lazzarato
cita extraída de Signos, Máquinas, Subjetividades (n-1 edições)